A palavra, de alguma maneira - sobrenatural, talvez? - está sempre circundando as situações de nossa vida e caracterizando épocas, trejeitos, sociedades. As palavras também demarcam estações, fases de uma vida, estágios de nossa existência passageira.
Para melhor entender o que quero dizer, observe, por exemplo, nossa infância. Desde que nascemos somos preparados, alimentados com a idéia de ter - nosso lugar, nossos objetos, nosso espaço. Os casais, de modo geral, ao saber que estão "grávidos", providenciam o cantinho do bebê, as roupinhas, o bercinho, os brinquedinhos. Alguns até mudam de casa em busca de um lugar mais adequado para a chegada do neném. A medida que a criança vai crescendo e passa a falar, uma das primeiras coisas que ela aprende a dizer é: é meu! E, desde cedo, o desejo de TER vai se tornando sua prioridade. Então, nossa infância é alicerçada sobre um rochedo de sentimentos fortes que nos tornam territorialistas, egoístas, consumistas. Tudo é nosso. "Não abraça a MINHA mãe!" "Esse brinquedo é MEU!" "Sabia que na MINHA casa TEM três televisões?" "Eu TENHO uma boneca que fala!" E por aí vai.
Quando a fase da adolescência vai chegando, certamente o verbo "ter" ainda está presente. Mas deixa de ser o foco. O adolescente pensa mais no que é do que no que tem. Essa é uma fase, em geral, conflitante, porque o adolescente busca se autoafirmar, encontrar o seu lugar no mundo - lugar de importância, e isso não é um processo simples (até porque - mesmo que o adolescente não se dê conta disso - nós mudamos muito). Então, tudo para o adolescente gira em torno de quem ele é: "Eu odeio roupa branca!" "Véi, detesto futebol!" "Eu sou bruto mesmo! Quando eu quero dizer, eu digo na cara!" "Eu sou anti-social!" "Eu sou amigo de todo mundo!" Eu isso; eu aquilo. Para o adolescente, a formação da personalidade não acontece naturalmente, porque ele não permite - de forma geral. Ele quer construir o próprio eu e começa a criar características - modo de vestir, de falar, de se relacionar, de gostar e de desgostar das coisas - para se sentir alguém com personalidade e aceito pelo grupo. Preocupa-se com o SER alguém.
À medida em que as obrigações vão chegando com mais seriedade, o candidato à condição de jovem adulto começa a mudar naturalmente de foco. Ainda preocupa-se, evidentemente, com quem é e com quem está sendo para si e para os outros. Mas os seus deveres - trabalho, universidade, relacionamentos - lhe conduzem a um outro estágio de prioridade. Ele começa a pensar no que faz da vida. As escolhas que precisa fazer, os caminhos que quer seguir, as decisões tomadas são o referencial para quem se é o que se pode ter na vida. Repare que se uma moça começa a namorar um cara e conta a novidade para a família, a primeira pergunta que fazem a ela não é nem o nome dele nem de onde ela o conhece, mas, sim: "O que ele faz da vida?" Nessa pergunta mora escondido o desejo de saber o que o cara TEM e quem ele É na vida. Estão implícitas perguntas como: "Ele ganha bem?" "É trabalhador?" E hoje, não só os rapazes, mas as moças nessa idade também buscam fazer algo que lhes satisfaçam - ou se preocupam demasiado se fazem escolhas certas no âmbito profissional, familiar, social, político. O que se faz é muito importante. E o que se não faz também. Portanto, FAZER é o grande impasse, o leme deste período da vida - que dura um longo tempo.
Mas, chega um tempo na vida que o mais importante não é o que se tem, nem o que se é, nem o que se faz. Mas o que se teve, o que se foi, o que se fez. Tudo agora faz parte de um arquivo de importantes (ou não) memórias e o que conta, enfim, é o que se sabe. As experiências da vida constituem, afinal, o que aprendemos por meio do que nos tornamos, do que tivemos por meio do que fizemos. Você vai notar que muitos idosos vão contar repetidas histórias de êxitos ou de fracassos, porque eles sabem - e você não. Eles sabem da dor, da derrota, da alegria, do amor, da doença, do trabalho, do dinheiro, de tudo um pouco. Essa é, portanto, a idade do SABER.
E interessante é que a palavra não é - nunca foi - desassociada das vivências, das experiências humanas. As palavras falam sobre as coisas - e as coisas falam das palavras.
(Texto que resolvi escrever baseando-me na exposição do meu pai sobre as palavras que regem a vida humana. Acho que meu pai já está na idade do SABER. =)
Ainda to na idade do "ter". Porque ainda não defini quem "sou" na vida, nem o que "faço" e definitivamente não "sei" nada de nada! ;X
ResponderExcluirQuero passar logo por todas as fases. Eu tenho uma pressa enorme no futuro sabe? Em virar logo gente grande. E ao mesmo tempo não quero envelhecer. Como faz? UHAauhauh
Muito bom texto, Mima. Daqueles que faz a gente pensar. Gostei mesmo.
Beijooo
Oi, Mima
ResponderExcluirTeu espaço é maravilhoso.
Gostei de tudo aqui. Lhe seguindo!
Me visite, ficarei feliz.
Belo fim de semana.
Beijo, Dan.
Deyse, nunca defniremos ao certo quem somos. Por mais que pareça difícil entender o ser, acredite, é a forma mais fácil de se viver: ouvir o coração - eis o segredo!
ResponderExcluirEnvelhecer é a coisa que mais aprecio. Quanto mais o tempo passa, mas me desvencilho do ter e mais sou. Viver me ensina a luta e a renúncia. As vitórias e derrotas me ensinam a buscar o que é melhor.
Tudo isto é possível, quando, como dizia Fernando Pessoa, a 'alma não é pequena'.
Livrar-se da mania do ter e do fazer é o caminho paras sermos libertas (os).
Bela reflexão, Mima!
Abraços!
Realmente, o texto nos faz pensar! hehe! Ficou ótimo!
ResponderExcluirTão inteligente essa minha irmã!
Amo sempre!
=]
Mima,
ResponderExcluirque bela elaboração vc fez da sabedoria do teu pai. Vejo que ele depositou boas sementes em vc!
Um beijo!
Verbos, verbos...quantos nos compõem? Substantivados ou não, substanciais...quatro verbos especiais...
ResponderExcluirFaçamos canção com eles! Com as estações, os momentos da lida...brindando cada fase oferecida!
Essa é a beleza da vida!
Mima,Linda a sabedoria do teu pai,compartilhada para ti e por meio de tí, a nós! é o perfume do saber, que se propaga... =* Beijo.
Hey, mima!
ResponderExcluirBlog muito calmo, muito bom. Cada palavra que li, pude imaginar uma voz muito calma e sem pressa por trás de cada linha.
(Lhe seguindo de volta!)
Boa semana, e bom feriado.
Beijos.
O que posso dizer? Aplaudo, mesmo que não possas ouvir. Então aplaudo como um surdo, balançando as mãos, numa celebração de te saber existir. Você é fantástica.
ResponderExcluirBeijo do thio